Há professores que marcam alunos e há alunos que marcam professores. Edson da Luz, isto é, Azagaia marcou-me. Olhando para trás recordo-me dele enquanto meu aluno da disciplina de Cultura Moçambicana, que leccionei numa Universidade em Maputo.
Era desafiada a preparar as matérias ao pormenor e com muita atenção à cada palavra que fosse dizer naquelas aulas, nas quais os temas eram variados. E recordo-me que, aquelas nas quais falavamos sobre cidadania, identidades, religião, desmantelamento de preconceito-superioridade cultural, estereótipos e sobre nacionalidades; eram as que mais questionavam Edson da Luz.
Discutimos amiúde que a “inferioridade” cultural e racial dos africanos tinha sido uma “intrujice”, para tornar possível a dominação colonial. Que tendo sido “África o berço da humanidade”, ainda havia muito o que explorar e perceber sobre o seu “atraso”, até porque, o progresso industrial ou a Revolução industrial não pode ser a única explicação para esse “atraso”. A tónica “conclusiva” sobre as nossas discussões era a de que, cientificamente, não existe uma forma para provar a superioridade ou a inferioridade cultural de seja que povo for, porque todos passam pelos mesmos estágios.
Edson, lia outros livros, para além dos recomendados nos planos de aulas, para perceber melhor aquelas matérias que tocam a questão da cidadania. Lia muito, também, sobre a escravatura. Disse-mo. Lembro-me de ele referir que um tio o influenciava em algumas leituras à respeito, emprestando-lhe livros. Chegamos a combinar um empréstimo desses livros, mas isso não aconteceu, porque nem eu nem ele sabemos onde foi que os tais livros foram parar. Cogitamos comprar alguns para os discutir, mas a pressa em que vivíamos, fez-nos deixar esse desejo no ar. Houve muitas leituras adiadas.
Olho para trás, com nostalgia, e questionando-me sobre o por quê de não termos mais horas de oficina com os nossos alunos e sobre o por quê de não podermos dar mais tempo, para além das aulas a escutá-los e a contribuir para o melhor da sua transformação – fora do período lectivo… Nunca temos tempo e vivemos a correr. Nos corredores, quando nos interpelam, estamos sempre apressados, respondemos às metades.
Olho para trás e me recordo que, terminava as minhas aulas sobre Cultura Moçambicana dizendo que aceitava tomar um café com os alunos que ainda tivessem alguma coisa para perguntar, mas poucos eram os alunos que iam ter ao café. Esquivavam-se ao debate de ideias. Além disso, também eles vivem a correr. Entretanto, tinha a alegria de, de vez em quando, por messenger do Facebook conversar com Edson da Luz sobre a sua escrita, a sua música e sobre a sua actuação enquanto activista social. Chegou a dizer-me que os temas daquela cadeira eram úteis para o seu processo criativo.
No início ele nem se assumia activista. Sentia-se cantor, apenas, rapper e dizia sempre que o alegrava saber que mesmo os que não gostavam de rap ouviam-no e davam-lhe alguma atenção. Para ele, isso era suficiente e a questão sobre o activismo eram outros quinhentos.
Edson era um aluno implicado, questionador, embora vivesse “na sua”. São assim os poetas. Muitas vezes parecem estar à leste do movimento das massas, mas estão com elas, na verdade. Edson era ruidoso no que perguntava, no que questionava e no que cantava. Sabemo-lo todos.
O convite de Lurdes Macedo, para participarmos no livro organizado por Tirso Sitoi e Paula Guerra, deu-me muita alegria, embora eu estivesse relutante em participar. Encontrava-me num momento de actividade intensa na escrita, mas a força de Lurdes e de Eduardo Lichuge, um outro co-autor da matéria, são o que hoje constituirá bálsamo para a minha alma. Com eles trabalhei numa pesquisa e escrevemos o texto intitulado: “Eu sou um cidadão, brada”. O Rap como forma de artivismo em Moçambique?, que teve a primazia de ser o primeiro capítulo do livro Reinventar o discurso e o palco: o rap, enttre saberes locais e olhares globais, como disse, organizado por Sitoe e Guerra, em 2019, num e-book, com edição da Faculdade de Letras da Universidade do Porto, Portugal.
É um bálsamo com saber a pouco, porque a ausência desse moçambicano me diminiu bastante. Ficam menos fortes, também, as vozes de Emicida, de Gabriel Pensador, de Luaty Beirão, outros que, como ele erguem a voz dos acabrunhados. Edson da Luz era um ser de luz, um aluno que valeu a pena contribuir para a sua transformação científica. Como o referiu o Professor Boaventura de Sousa Santos, Azagaia disse coisas com a música, que as Ciências Sociais não saberiam dizê-lo com melhor propriedade do que ele o fez; ouça-se a sua música ABC do preconceito, para o conferir.
Que ele descanse!