O primeiro réu ouvido hoje no julgamento do caso das dívidas ocultas, Cipriano Mutota, traz revelações que envolvem o então ministro da Defesa, Filipe Nyusi, e o antigo Presidente da República, Armando Guebuza. Nyusi dirigiu alguns encontros na fase de concepção do projecto que levou à criação de ProIndicus. Já Armando Guebuza teve conhecimento de todos os processos até à criação da empresa.
À data dos factos, Cipriano Mutota era oficial do Serviço de Informação e Segurança do Estado, ocupando a pasta de director do Gabinete de Estudos e Projectos. A ele foi incumbida a missão de fazer um estudo sobre possíveis ameaças que “pairavam na República de Moçambique”. A missão foi incumbida pelo então director-geral do Serviço de Informação e Segurança do Estado, Gregório Leão, também implicado no processo das dívidas ocultas.
Refere que, do estudo, concluiu que havia o risco do terrorismo, pirataria, migração ilegal, tráfico de drogas via marítima, entre outros.
“Fizemos o estudo e submetemos à apreciação do Conselho de Administração, que, por sua vez, submeteu à apreciação do Conselho Consultivo. É o procedimento normal da instituição. Os estudos levaram cerca de dois anos. Iniciaram e terminaram entre 2007 e 2010”, revelou, na audição perante o juiz Efigénio Baptista.
Diz que o director o convocou para informar que era preciso assistir a uma apresentação que pudesse ser a solução para as ameaças elencadas.
“O encontro realizou-se no Ministério da Ciência e Tecnologia, no qual assistimos à apresentação de uma empresa que era relacionada com a protecção da zona económica exclusiva. A empresa identificou-se como Abu Dabi Mar e quem fazia a apresentação era o senhor Jean Boustani, acompanhado por uma senhora que se dizia ser representante da empresa Abu Dabi Mar para a zona Austral de África.”
Mutota acrescenta que “tivemos, um pouco antes, um encontro com o senhor ministro das Finanças. Ele, o senhor Chang, sugeriu que tivéssemos encontros com os Ministérios da Defesa, dos Transporte, do Interior e das Pescas, visto que tinham também projectos idênticos. Fizemos o contacto e foi feito um projecto único. O ministro das Finanças disse que ia ver a possibilidade de financiamento”.
O réu explica que participou em dois encontros com o comandante-chefe e com as entidades ministeriais (ministros das Pescas, dos Transportes, das Finanças e da Defesa).
Segundo disse, decidiu-se que o SISE, o Ministério da Defesa e o do Interior liderariam o projecto.
“Houve outra reunião, a única em que eu estive ao nível do Ministério da Defesa, onde o ministro da Defesa (Filipe Nyusi) dirigiu a reunião na qualidade de chefe do Comando Operativo”. Foi nessa reunião em que se decidiu que devia haver acções concretas para materializar o projecto e que cada ministério tinha que indicar os focal points. O focal point nas Finanças era a senhora Isaltina Lucas, que teria sido indicada pelo ministro Manuel Chang.
“Tínhamos de ter um veículo e tínhamos de dar o nome. Pensamos no nome Indicus, mas depois vimos que já existia uma entidade com esse nome. Então, pensamos num prefixo e ficou ProIndicus. Depois, fomos fazer a reserva do nome.”
Uma vez que a ProIndicus tinha de ter accionistas, indicou-se a entidade Monte Binga, como representante do Ministério da Defesa, que detinha 50% da ProIndicus, e o SISE era representado pela Gips, também com 50%.
“O único que tinha dificuldades em indicar um representante era o Ministério do Interior, que devia participar através da Dalu, mas esta ainda não estava legalizada. Ficou acordado que depois, havendo condições, o Ministério do Interior teria também o seu representante e a divisão da percentagem tinha de ser feita por igual.”
Cipriano Mutota diz ter havido viagens, quer para Alemanha, quer para Abu Dabi, com o objectivo de confirmar a existência da empresa Privinvest e ver as suas potencialidades.
As viagens foram feitas por Teófilo Nhangumele, sugerido por Mutota e com a anuência do então director-geral do SISE, Gregório Leão, visto que Mutota não poderia viajar (acabava de perder a sua irmã), Bruno Langa, Armando Ndambi Guebuza e António Carlos do Rosário.
Diz que o processo de concepção do projecto de protecção da costa moçambicana era do conhecimento do antigo Presidente da República, Armando Guebuza, considerado, na linguagem adoptada no SISE, como consumidor.
MUTOTA EFECTUOU CHAMADAS A JEAN BOUSTANI A EXIGIR DINHEIRO
A Privinvest tinha de pagar, a título de agradecimento pelo trabalho prestado no projecto de protecção costeira e pelo seu sucesso, um valor a cada participante. Aliás, a denominação dada a este valor era “FI”.
“O grupo Privinvest ia pagar, a título de ‘FI’, o montante de 50 milhões de dólares. A quantia foi incorporada no preço do contrato celebrado entre Abu Dabi Mar e a ProIndicus”.
Mas este pagamento teria acontecido depois de Mutota sair do Serviço de Informação e Segurança do Estado.
“O senhor director depois disse que eu tinha de cessar as minhas funções neste projecto, em meados de 2013, até porque coincidia com a minha mudança de tarefas. Fui estagiar no Ministério dos Negócios Estrangeiros. Não testemunhei a legalização da empresa (ProIndicus).”
Da acusação, consta que Cipriano Mutota teria feito chamadas telefónicas a Jean Boustani de forma reiterada a exigir a sua parte do chamado “Fi”, ao que questionado pelo juiz, Mutota confirmou os factos.
Diz também que Jean Boustani o aconselhou a abrir uma conta bancária. Segundo a acusação do Ministério Público, o então director do Gabinete de Estudos e Projectos do Serviço de Informação e Segurança do Estado teria recebido 980 mil dólares. Parte desse valor foi investido na compra de sete camiões.