Kyriê e seu bonde mostraram todo seu talento no Sobe Junto e chegaram longe na competição.
Durante os meses de janeiro e fevereiro, o público de rap nacional acompanhou de perto a descoberta da Budweiser, em parceria com Endemol Shine Brasil e agência Africa, por novos talentos do Hip Hop, através do reality show “Sobe Junto”. Durante cinco episódios, fomos apresentados a seis bondes, integrados por diversas promessas da música.
Cada grupo vivenciou alguma dinâmica, que levou à eliminação dos outros, até sobrar apenas um vencedor, que será representante da Budweiser Brasil, fazendo parte das iniciativas de marca e tendo a chance de se apresentar nos diversos eventos patrocinados pela Bud no Brasil e no mundo.
O Sobe Junto é apresentado por Thamirys Borsan e Froid, além de contar com BK e Tássia Reis como jurados fixos. O reality ainda tem mentores e mentoras convidados, que ainda possuem o papel de avaliar os grupos: Gloria Groove, Marcelo D2, Xamã, Rincon Sapiência, MC Carol, Bia Ferreira, Nave, Filipe Ret e Rico Dalasam.
O bonde da artista Kyriê foi um dos que tiveram maior destaque, mas, infelizmente, não chegaram à final. Para conhecer melhor o trabalho e a carreira do Bonde, confira nossa entrevista completa abaixo:
Fale sobre o seu início de carreira, como começou na música e quando percebeu que era isso que queria fazer da vida.
Diversidade musical é o que define a periferia, música é o que vibra nos quatro cantos dos bairros. Ainda moleque, nos rolês pela quebrada, pude observar esse universo plural, formador de minha identidade pessoal e musical. Outra influência forte foi dentro de casa, nas audições de rádio, observando os ensaios de minha mãe, que na época era regente e vocalista da Igreja Batista. Ao frequentar a igreja, ingressei no coral, posteriormente, já na fase adolescente, nasce a formação de minha primeira banda (Genesis), tocando covers do rock e black/ soul gospel.
Nos primórdios da juventude, deixei a igreja para ir em busca de respostas sociais e religiosas, levando comigo toda bagagem musical e princípios. Ao ingressar no ensino médio, chamo a atenção de alguns professores, devido à criatividade no rap, sempre trazendo paródias e composições originais relacionadas ao tema proposto nos trabalhos escolares. A partir desse momento, fui convidado para fazer uma turnê no mês do meio ambiente, pelas escolas da zona leste de São Paulo (São Miguel, Itaim Paulista, Guaianases e São Mateus). Ainda na fase escolar conheci pessoas influentes do cenário hip-hop e, por meio dessas amizades, fui apresentado para DJ’s, produtores e rappers, que nortearam meu processo criativo, trazendo diversos feedbacks sobre performance no palco e desempenho no estúdio. Nessa mesma época, conheci o DJ RM, que venceu o campeonato DMC Brasil 2008 e, no mesmo ano, foi o representante brasileiro na final do DMC World na Inglaterra e produziu a minha primeira de estúdio.
Após o lançamento desse trabalho, passei a realizar pesquisas musicais e me aprofundar no universo do hip-hop, participando de projetos da CUFA (Central Única das Favelas), casa do Hip-Hop de Diadema, onde conheci Nelson Triunfo, que me passou muito conhecimento por meio de oficinas e muita troca de ideias. Também fui frequentador assíduo da Batalha do Beco na Vila Madalena e da famosa Batalha do Santa Cruz, onde surgiram grandes nomes do rap nacional. Acompanhei todo esse processo de perto, admito que essa fase influenciou fortemente minha arte, quando consegui sair da caixa, compreender e viver a rua na sua essência.
Quais são suas maiores inspirações e influências?
Sou fã do afrobeat de Fela Kuti, da irreverência de Itamar Assumpção, Belchior, da poesia e metáforas de Jards Macalé. Ouço muita coisa contemporânea também: Mombojó, Boogarins sempre estão na minha playlist. Agora, quando o assunto é rap, a lista é bem mais extensa, mas calma que irei dizer apenas o essencial (risos)… ParteUm, Subsolo, Contracorrente, Síntese, Zulumbi, Z’Africa Brasil, Instituto, Kamau, Ordem Natural, Elo da Corrente, SNJ, Rincon Sapiência, Sono TWS, Tiago Frúgoli, Ogi, Raggnomo, Pentágono, Sombra, Criolo e, um dos mais brabos, o Novíssimo Edgar.
A cultura jamaicana do sound system também chegou com seu tempero e apimentou ainda mais minha arte, mudou minha forma de cantar, pude expandir em relação às melodias, flows e performance. Desse som que vem da ilha, sou apaixonado pelos produtores Dub Scientist, Lee “Scratch” Perry e Protoje. No Brasil, o sound system vem criando uma base sólida, com artistas e equipes de som que trazem qualidade e originalidade, com destaque para Monkey Jhayam, Dada Yute, África Mãe do Leão, DubVersão Sistema de Som, Zion Gate Sound System, Ministereo Público Sound System. Não poderia deixar de citar o coletivo Crazy Dog’s Selector’s, que me abraçou e me educou sobre essa cena, e, hoje, faço parte da sua formação, botando muito dancehall nas pistas de dança.
Como define a sua sonoridade?
Meu som passeia por estilos afro-indígena, como reggae, carimbó, samba de coco, frevo, cumbia, guitarrada, congada, maracatu, dub e entre muitos outros estilos e vertentes da música tradicional brasileira e latina, conectado com as raízes afro-tropicais misturados às batidas eletrônicas, dando evidência ao hip-hop amacumbado. Isso acaba sendo uma espécie de laboratório que explora linguagens musicais, misturando o folclórico com o experimental. A verdadeira psicodelia brasileira é o que faz o meu som versátil, as interpretações e composições ora forte, ora sensível. Sigo o movimento artístico e performático, somado com a utilização de figurinos e adereços.
O que acha que o seu trabalho traz de diferente para a cena?
É um trabalho que traz originalidade, mesclando a ancestralidade e o futurismo, seja nos discursos, seja na musicalidade. Atualmente, é preciso ter ousadia e ser autêntico para se destacar na cena. Trago uma música para cima, que cria um clima de extroversão aliado a provocações.
O orgânico e o digital trabalhando em prol da vida e, no fim das contas, ser diferente é interessante, mas não pode ser algo forçado, pois uma hora a máscara cai, ninguém sustenta por muito tempo uma farsa. Faço o que amo e compartilho com o mundo o que me agrada. Nem sempre é algo mirabolante, o minimalismo e a simplicidade, em certos momentos, conseguem dar conta do recado.
Como formou seu Bonde para o Sobe Junto? Conte um pouco sobre eles.
Nosso bonde é genuinamente de Guarulhos, cidade que também é conhecida carinhosamente pelos residentes como “GR”. Nos conhecemos há alguns anos através de amigos em comum ou por marcar presença nas principais batalhas de rap da cidade. Desde então, o vínculo foi firmado, consolidando em diversas parcerias entre nós, porém, somente agora, conseguimos juntar as quatro forças em um único projeto, e o resultado foi maravilhoso.
O Z-Rock chegando com toda sua bagagem musical! Ele é um cara completo, além de produtor é MC e, se vocês acham que é muita coisa, o brabo ainda é B-Boy, ou seja, o cara tem o que eu precisava: a magia de criar os beats na programadora, o feeling para saber o que se enquadraria ao meu perfil/estética. Para fechar com chave de ouro, ele entende de dança, soube utilizar a dosagem certa para que o público entrasse no balanço.
A Keyla Carolyne trouxe o seu toque feminino, o que faltava para o nosso bonde brilhar. Suas andanças pelo universo da moda fez o nosso bonde ter uma presença marcante na frente das câmeras, algo que já existia, mas ela potencializou, nos levando a outro patamar. As nossas referências eram bem próximas, facilitando tanto a vivência quanto nos momentos de escolha de figurinos. A proposta do instrumental foi trazer algo vibrante e se casou perfeitamente com a ideia visual da Keyla, pois ela transborda alegria e criatividade.
O Oca foi o paizão do rolê, trazendo tranquilidade por meio da sua experiência e corre nas ruas. Um cara que consegue fazer uma leitura do ambiente e, quando se tem alguém assim ao seu lado, isso te eleva.
Qual a importância de um projeto como o Sobe Junto para a cena e como foi participar?
Participar de um projeto como esse me faz sentir privilegiado por um momento, algo que deveria ser comum em um país tão rico, mas tão mal distribuído. A favela tem grandes artistas, que não despontam por questões financeiras e psicológicas. Portanto, essa iniciativa da Budweiser, de colar no fundão e estender a mão para essas potências periféricas, foi de grande importância para o movimento Hip Hop. Outro ponto importante foi o elenco de jurados praticamente todos pretos. Isso quebrou com a estrutura cultuada pela televisão brasileira e valorizou as raízes da nossa cultura, os militantes que vieram antes e validou a luta de anos.
Em sua opinião, o que faltou para seu Bonde ir mais adiante no programa? O que você tirou como maior aprendizado?
O aprendizado é constante em nossa caminhada, e lá dentro, eu pude aprender muita coisa sobre o universo do mainstream: postura diante das câmeras, novas formas e programas de gravação, estruturas musicais. Tive contato com essa rotina louca de artista, estar indo do hotel para o estúdio, estúdio para o show, entrevista, ensaio fotográfico. Nunca lidei com uma agenda tão cheia, e se não tiver o pé no chão, você se perde com os holofotes!
Não posso deixar de falar um pouco da tão sonhada final, que vi escorrendo pelas minhas mãos, mas nem tudo ali estava sob meu controle. O meu futuro no programa estava nas mãos dos jurados, cada qual tem um ponto de vista e suas particularidades, gostos e afinidades. Tudo isso é levado em consideração.
Preciso trabalhar, colocar músicas novas nas ruas. E claro, o programa renovou minhas energias, trouxe maior visibilidade ao meu trabalho. Agora, é hora de devolver ao público músicas de qualidade e suprir as expectativas de quem depositou confiança.
Quais seus projetos futuros? Tem lançamentos chegando por aí?
Tem alguns singles que estou finalizando e correndo atrás de recursos para lançar junto com um videoclipe. Esses próximos sons passeiam por África, Jamaica, Bahia e Amazônia. Aguardem e acompanhem a agenda de shows e lançamentos pelas redes sociais.
Instagram: @kyrie.art_